O feijão caupi (Vigna unguiculata L.) é reconhecido por ser uma excelente fonte de carboidratos (50% a 60%) e proteínas (17% a 28%), apresentando papel importante no combate à desnutrição em países subdesenvolvidos. O consumo e a produção ocorrem, predominantemente, em países subdesenvolvidos localizados na América Latina e na África. No Brasil, o feijão caupi é comumente cultivado em pequenas propriedades localizadas nas regiões norte e nordeste. Recentemente, a cultura passou a ser incorporada ao arranjo produtivo do centro-oeste brasileiro, onde o feijão caupi é cultivado em grandes propriedades. Em comum, as regiões citadas são caracterizadas pelo baixo índice de precipitação na época de cultivo.

O feijão caupi apresenta hábito de crescimento indeterminado, desta forma o crescimento reprodutivo ocorre junto ao crescimento vegetativo, acarretando em desuniformidade de floração e, consequentemente, de maturação dos grãos. Próximo ao momento de colheita, uma mesma planta pode apresentar folhas verdes e grãos com teores de água acima do ideal. Na tentativa de uniformizar a maturação e realizar a colheita mecanizada nas grandes propriedades, alguns produtores utilizam herbicidas com ação dessecante nas plantas.

São poucos os produtos registrados no Sistema Agrofit do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) para a prática de dessecação de feijão em pré-colheita. Os produtos que possuem registro são  Flumioxazina e Glufosinato de amônio , que devem ser utilizados, quando necessário, sempre com orientação de um Engenheiro Agrônomo.

Na prática, alguns produtores utilizam produtos que não possuem registro para a dessecação em pré-colheita. Dentre os  mais utilizados estão o paraquate e o glifosato, sendo que esse último, em alguns relatos de produtores, é associado com outros herbicidas, como a carfentrazona.

 Estratégia para o desenvolvimento do estudo

O mecanismo de ação dos diferentes herbicidas dessecantes já está bem elucidado quando a aplicação é realizada no estádio vegetativo das plantas, visto que sua indicação de uso geralmente se dá nesta etapa. No entanto, há uma demanda crescente na agricultura por aplicações na pré-colheita, para dessecação, e ainda são escassos os relatos quanto ao comportamento dos vegetais e, mais especificamente, dos grãos nessas condições.

Para avaliar as consequências de se utilizar dessecantes, não basta obter amostras diretamente das unidades armazenadoras ou da prateleira, pois, desta forma, não é possível conhecer a procedência do produto. Por isso, no estudo, objetivou-se reproduzir com a maior fidelidade possível os casos relatados por alguns produtores do centro-oeste brasileiro e avaliar a qualidade tecnológica dos grãos recém-colhidos, bem como os teores residuais dos herbicidas nos grãos. Os testes foram conduzidos com paraquate (PAR), glifosato (GLI) e glifosato + carfentrazona (GLI/CAR).

O estudo foi desenvolvido no Mato Grosso, no município de Primavera do Leste, com apoio de produtores e empresários da região. Foram utilizadas quatro parcelas de campo de 25 ha cada, sendo três para a avaliação dos herbicidas e uma foi mantida sem aplicação (SAP). Em cada parcela de 25 ha, três áreas de 10mx20m foram consideradas como replicatas para análises de amostras.

 Na área não dessecada, as plantas foram arrancadas e mantidas sobre o solo até atingirem o teor de água desejado. Todas as operações, envolvendo ou não a dessecação, foram realizadas decorridos 70 dias da semeadura.

 Qualidade tecnológica do feijão caupi dessecado

O feijão caupi (Vigna unguiculata) da variedade Bico de Ouro possui comportamento pós-colheita semelhante ao feijão carioca (Phaseolus vulgaris), ou seja, o tegumento, que é a camada mais externa do grão, tende a avermelhar durante o armazenamento. A mudança na cor após a colheita é associada por produtores, armazenistas e consumidores com produto sem qualidade, que apresenta baixo valor de mercado.

 Para estimar essa mudança na cor foi utilizado o valor de a*, que indica as alterações na cor dos grãos em um eixo colorimétrico que varia do verde (-) ao vermelho (+). Quanto maior este valor no teste colorimétrico, mais avermelhado é o feijão. 

Acredita-se que o motivo pelo qual ocorreu o escurecimento tenha sido diferente para cada um dos tratamentos. No entanto, em comum, a oxidação de compostos fenólicos é apontada como a principal responsável pela alteração na cor do tegumento. Esses compostos fenólicos possuem função protetora e atrativa para os vegetais e são conhecidos, também, como compostos antioxidantes para quem os consome.

Assim como a cor, o tempo de cocção é outro parâmetro extremamente importante para avaliação da qualidade do feijão caupi. De um modo geral, independentemente do herbicida utilizado na pré-colheita, a dessecação resultou em menor tempo de cocção, quando comparado com a área sem aplicação. O tempo de cocção de feijões é determinado pelo teste do cozedor de Mattson, para comparação de tratamento.

Na área onde não foi realizada a aplicação de herbicidas o feijão caupi demorou mais tempo para atingir o ponto ideal de colheita. É provável que o grão, que é um organismo vivo, tenha se protegido de condições adversas, como o excesso de radiação solar. O mecanismo mais comum e conhecido para proteção está associado com o processo de lignificação do cotilédone do grão. Esse mecanismo pode ser um dos responsáveis pelo aumento no tempo de cocção.

As consequências fisiológicas da utilização de herbicidas não se restringem às alterações na cor e no tempo de cocção. Para analisar mais a fundo e poder inferir sobre até que ponto o herbicida atua nos grãos, também foi realizada uma análise de cromatografia líquida acoplada a espectrometria de massas, não direcionada, dos diferentes tratamentos, para observar as respostas metabólicas. Com essa análise foram quantificados diversos compostos e as suas variações foram determinadas através de uma análise multivariada de componentes principais (PCA). Houve formação de grupos para cada um dos tratamentos, confirmando padrões distintos de resposta metabólica dos grãos de feijão caupi frente aos diferentes herbicidas.

 A catequina-3-glicosídeo e a epicatequina, que são compostos fenólicos, estavam presentes em níveis mais elevados nos grãos tratados com glifosato. Já o ácido cítrico foi responsável por discriminar o tratamento com glifosato + carfentrazona. A quercetina e o ácido glucônico foram responsáveis pela discriminação do tratamento sem aplicação. No tratamento com paraquate, tanto a quercetina como o ácido glucônico se mantiveram em níveis intermediários, quando comparado aos demais tratamentos.

Níveis residuais de herbicidas nos grãos

O feijão caupi dessecado com glifosato e glifosato + carfentrazona apresentaram teor residual de glifosato de 13mg/kg e 14mg/kg de peso seco, respectivamente. Os teores residuais de carfentrazona foram inferiores ao limite de quantificação do teste por cromatografia líquida acoplada a espectrometria de massas. Os valores de glifosato de ambos os tratamentos foram superiores aos limites máximos de 2,0mg/kg e 0,1mg/kg estabelecidos pelo Codex Alimentarius (2016) e pela União Européia (2011), respectivamente. 

O teor de paraquate foi de 0,84mg/kg de peso seco no feijão caupi tratado com paraquate. Como determinado no estudo com glifosato, o valor do paraquate determinado no presente estudo é superior aos limites máximos de 0,5mg/kg e 0,02mg/kg de grãos permitidos pelo Codex Alimentarius (2016) e pela União Européia (2011), respectivamente.

Os efeitos da exposição ao glifosato na saúde humana são estudados há anos e ainda não há um consenso entre os pesquisadores sobre seus reais prejuízos. Já o uso generalizado do paraquate na agricultura é relatado como um dos responsáveis pela detecção de resíduos em amostras ambientais, alimentares e biológicas (AWADALLA, 2012; CHEN et al., 2012).

Os problemas com o uso de dessecantes, sem seguir recomendações agronômicas, não são novidade no Brasil. Em 2016, por exemplo, produtores de trigo foram alertados para não utilizar glifosato e paraquate, como acontecera nas duas safras anteriores, devido à presença dos referidos herbicidas nas farinhas de trigo, em níveis superiores aos limites da legislação. Sempre que os produtores precisarem usar dessecantes ou outros agroquímicos é obrigatório que os produtos sejam registrados para tal finalidade.

 Considerações finais

É fundamental que os produtores consultem Engenheiros Agrônomos quando for necessário utilizar dessecantes. Os Engenheiros orientarão para o uso de produtos registrados pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA), sua forma de aplicação e o intervalo de segurança. Na ausência de opções para a cultura do feijão caupi, comprova-se urgência de estudos e de desenvolvimento de protocolos para regulamentar produtos e manejos de aplicação de dessecantes, tendo em vista que o uso de produtos como o glifosato e o paraquate, como feito por alguns produtores, representa riscos à saúde dos consumidores, pelos níveis residuais observados neste trabalho.

Para o consumidor, enfatiza-se que as práticas utilizadas como base para este estudo são isoladas e que órgãos de pesquisa, de fiscalização e os profissionais de assistência técnica estão alertas para proteger à saúde da população.

Igor da Silva Lindemann1

Galileu Rupollo2

Moacir Cardoso Elias3;

Nathan Levien Vanier4

1Engenheiro Agrônomo, Mestre, Doutorando no Laboratório de Pós-Colheita, Industrialização e Qualidade de Grãos (Labgrãos) do Departamento de Ciência e Tecnologia Agroindustrial (DCTA), da Faculdade de Agronomia “Eliseu Maciel” (FAEM), Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). E-mail: igor_lindemann@hotmail.com

2Engenheiro Agrônomo, Doutor, Consultor em Pós-Colheita de Grãos no Mato Grosso. E-mail: galileuru@yahoo.com.br

3Engenheiro Agrônomo, Doutor, Professor Titular do DCTA-FAEM-UFPel. E-mail: eliasmc@uol.com.br

4Engenheiro Agrônomo, Doutor, Professor Adjunto do DCTA-FAEM-UFPel. E-mail: eliasmc@uol.com.br

Postagem feita em 20/02/2018